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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Celebrando o dia da Consciência Negra em Manaus

Publicado Segunda-feira, 19 Novembro, 2012 . 13:00 hs
Artigo de Patricia Sampaio, professora da UFAM e doutora em História.
Muitas pessoas me perguntam qual o sentido das comemorações do dia 20 de novembro em Manaus. A indagação se funda no argumento de que a escravidão negra no Amazonas foi inexpressiva e que a presença negra é bastante pontual. A conclusão é óbvia: se não há tradição histórica, não há razão para celebrar Zumbi pelas bandas de cá.
Bem, se me deixam falar sobre o tema, corro o risco de não parar mais… Vou aproveitar mais um 20 de novembro para desfazer alguns equívocos sobre a presença negra no Amazonas. Começo dizendo que não se pode falar em escravidão negra como inexpressiva utilizando os números da população escrava na cidade. Claro que Manaus, no século XIX, não se comparava ao Rio de Janeiro, Salvador ou Belém onde a presença escrava constituía–se em importante maioria demográfica, enquanto que, em Manaus, não ultrapassava os 8%.
Os mais afoitos que se acalmem porque isso não quer dizer que as relações escravistas eram pouco importantes. Vejam só este exemplo: as análises de fontes seriadas como inventários e escrituras públicas de compra, venda e hipotecas revelam que a propriedade escrava era o mais importante dos ativos para efetivação dos negócios na praça manauara e uma das chaves da riqueza local. Quem possuía escravos tinha condições privilegiadas nas operações mercantis e isso acontecia mesmo a despeito do número reduzido de escravos que mencionei.
As populações escravizadas que viviam em Manaus no século XIX eram, em sua maioria, nascidas no Brasil e no cativeiro. A presença de africanos é reduzida. O dado nos coloca diante de outra questão importante que é o fato de que estes homens e mulheres compartilharam as agruras do mundo do trabalho com uma esmagadora maioria indígena que também vivia aqui, de modo temporário ou permanente, seja nos serviços públicos e domésticos, no trabalho agrícola, na extração de produtos da floresta, entre tantos a citar. Aproveito a deixa para desfazer a ideia de que a presença indígena na cidade é fenômeno, essencialmente, contemporâneo. Afinal, índios vivem em cidades desde o início do processo colonial porque se constituíram na base demográfica fundamental destes núcleos urbanos. A extensão e os significados desta estreita convivência, seus conflitos e suas solidariedades em uma sociedade desigual e hierarquizada ainda é fenômeno pouco estudado na historiografia brasileira.
Ainda não acabou… Não se pode pensar em presença negra na região olhando, apenas, o mundo da escravidão. O censo de 1872 oferece um dado desconcertante para aqueles que persistem em tal raciocínio: cerca de 70% da população negra de Manaus não era escrava! O que isso sinaliza? Para um conjunto de experiências e trajetórias de indivíduos ainda completamente desconhecidas da maioria e que, ao serem reveladas, podem colocar por terra muitos estereótipos presentes sobre a presença negra em Manaus. Um exemplo é a trajetória extraordinária do Deputado Monteiro Lopes, o primeiro deputado eleito com uma pauta reivindicatória para população negra em 1909. Poucos sabem é que esse sujeito extraordinário viveu em Manaus antes disso exercendo as funções de promotor público e juiz de direito. Poderíamos continuar falando dos notáveis músicos que viviam em Manaus e também atuavam como professores. Registro os nomes de Francisco da Silva Galvão, professor dos Educandos Artífices e Adelelmo Nascimento, professor do Ginásio Amazonense Pedro II.
A essa altura, já espero ter convencido o leitor sagaz de que temos muito a ver com a celebração do 20 de novembro mas quero terminar com uma nota relevante. Muitos sabem que Zumbi dos Palmares é originário da África Central Atlântica, pertencente a um grupo linguístico denominado Banto. Pois bem, leitor! Saiba que Manaus recebeu, entre os anos de 1854 e 1861, um grupo significativo de Africanos originários da mesma região e falantes de línguas banto. Eram os chamados Africanos Livres, populações que haviam sido resgatadas de navios envolvidos no tráfico atlântico, ilegal desde 1831, e que ficam sob a tutela do estado imperial ou de particulares. Esse grupo de homens, mulheres e crianças foi responsável por dezenas de trabalhos em Manaus. A construção da Igreja Matriz é apenas um exemplo.
A lista pode e deve aumentar. Sua exiguidade revela o tamanho de nossa ignorância a respeito do tema acaba alimentando, por vias tortas, o preconceito e a crescente intolerância. Celebrar o dia 20 de novembro significa manter a memória em estado de alerta permanente para garantir aqueles que vivem no tempo presente o direito ao passado. Uma luta permanente contra o silêncio, o racismo e a desigualdade em nosso país. Zumbi vive!

Fonte:
http://blogs.d24am.com/artigos/2012/11/19/celebrando-o-dia-da-consciencia-negra-em-manaus/

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