cultura arte e pesquisa

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domingo, 28 de abril de 2013

A Dança contra o Manto da Invisibilidade

Saiu na Revista da Dança em 23.11.2012
http://www.revistadedanca.com.br/reportagem.php?id=49

A dança contra o 'manto de invisibilidade'
Por Alexandre Staut
O bairro São José é um dos mais populosos e também um dos mais violentos de Manaus. Ao entrar num táxi, no centro da cidade, e citar o meu destino ao motorista, ele devolve: "Levo somente se for para deixá-lo numa das ruas principais do lugar, as mais movimentadas. Dependendo do lugar, prefiro não arriscar". Meu destino era o ginásio de esportes São José I, popularmente conhecido com Zezão. Alguns bailarinos entrevistados na cidade disseram que ali havia um núcleo de dança importante.
Em Manaus, a Cia Ballet da Barra usa a dança como forma transformação social
Em Manaus, a Cia Ballet da Barra usa a dança como forma transformação social

A 40 minutos do centro de Manaus, o bairro, aparentemente, lembrava qualquer periferia de uma grande cidade brasileira, com casas mal acabadas, barracos nas encostas, lugar pouco arborizado, música em portinholas de cômodos transformados em bares, ruas repletas de gente.Ao chegar ao ginásio, do lado de fora, já era possível ouvir um duelo de violinos, que atravessava a porta entreaberta da construção, invadindo a rua. Foi fácil encontrar a sala de ensaios do Núcleo Ballet da Barra, ONG criada pelas professoras, coreógrafas e bailarinas Cléia Alves, Marta Marti, Muriel Gonçalves, Celice Freitas e Magda Carvalho.O trabalho é feito no lugar há mais de dez anos e contempla aproximadamente 40 crianças e jovens, entre oito e 16 anos. "Nossas atividades são diárias, com duração de uma hora, com aulas de iniciação à dança clássica, dança moderna, contemporânea, composição coreográfica e danças populares", diz Marta.


Fotos: divulgação
Cléia Alves está à frente do projeto à mais de dez anos
Cléia Alves, Marta Marti, Muriel Gonçalves, Celice Freitas e Magda Carvalho estão à frente do projeto à mais de dez anos
Profissional que trabalha desde 1988 com dança, em parceria com diversos segmentos do Movimento Negro do Amazonas, grupos de arte popular, de capoeira e com grupos de pesquisas em danças afro-ameríndias, Cléia já ministrou oficinas e cursos em mais de doze cidades da Bélgica, Grécia, Itália e Inglaterra. Ela conta que a ONG, criada por sua companhia de dança, oferece atividades durante alguns anos às crianças locais. "Primeiramente há uma iniciação ao balé clássico e à dança moderna. Dois anos depois, fazemos uma seleção das crianças que mais se adaptam à dança e as convidamos a integrar o Projeto Escola de Artistas. Mais tarde, são convidadas a ingressar na Cia Ballet da Barra e nos grupos parceiros: Arte pela Arte e Arte e Movimento", diz.
Marta fala que muitos talentos acabam sendo convidados a ingressar o Corpo de Dança do Amazonas, a companhia de maior destaque do Estado. Há ainda aqueles que vão para companhias menores e outros que são convidadas a integrar grupos na Europa e nos Estados Unidos. "O trabalho sobrevive com o dinheiro de editais públicos. Nossa meta é não deixar de fazer por falta de dinheiro", revela. Ela ainda fala que outra preocupação é preservar os valores culturais, sociais e da economia solidária, oriundos da matriz afro-brasileira. "Nossa motivação para a pesquisa é voltada para a retirada do 'manto da invisibilidade', que nega a importância do legado afrodescendente para a construção da cultura Amazônica e brasileira", afirma.
Enquanto as duas coordenadoras do projeto discorrem, mais de 40 alunos ensaiam uma coreografia numa grande sala. Cléia aponta uma das meninas do ensaio. Pede para ela se aproximar e diz: "Muitos alunos acabam se tornando professores no seio do próprio projeto". Caso de Carla Bianca da Silva, de 18 anos, que se formou em dança há dois anos e passou a dar aulas de clássico para meninos mais jovens. "Nosso método é do Royal Ballet, de Londres. Nunca pensei que, de aluna, fosse me tornar uma professora. Isso mudou a minha vida e também a vida dos meus pais", diz Carla. "Hoje, tenho muitas amigas que me veem como exemplo e que acabam vindo fazer aulas também."
O projeto foi pensado há pouco mais de uma década e nasceu logo que a Cia Ballet da Barra foi criada, em 1995. "A proposta é educar por meio da dança. Nesses anos de existência, o grupo contribuiu para a formação artística e educacional de vários bailarinos, oferecendo um leque de opções para o seu desenvolvimento. Queremos fazer com que eles atuem como multiplicadores de atividades culturais, suprindo o mercado profissional da dança, que se encontra em plena expansão em Manaus", diz Marta. A mesma frase, sobre o interesse que a dança tem representado nos últimos quinze anos, no lugar, foi dita por todos os profissionais ligados de alguma forma à dança no Amazonas.