De Márcia Maria Strazzacappa -Campinas,São Paulo: Papirus, 2006
Resenha
Este livro aborda um dos pontos muito discutido atualmente sobre a condição do dançarino hoje no Brasil: Viver da arte ou da docência?
A autora divide o livro em duas partes. A primeira, “A dança e a formação do artista” é composta por uma seleção de artigos de Márcia Strazzacappa, publicados em revistas científicas e anais de congressos. Nesta primeira parte a autora subdivide em cinco capítulos e discute questões básicas e polêmicas da dança desde os cursos livres até a Universidade e lança no início do livro uma pergunta: Mas para que serve um curso de dança?Para que fazer um curso superior em dança? E propõem uma ampla discussão que analisa a maneira como a dança está (ou não) inserida na educação formal de crianças e adolescentes em escolas públicas e particulares. Expõem alguns projetos realizados nas escolas da região de Campinas e constata que as aulas de dança em algumas escolas são ministradas por adolescentes ainda em formação. Aponta para a importância de projetos que envolva o ensino da dança e a incorporação da mesma na grade curricular assim como a urgência da arte como atividade curricular escolar e a contratação de profissionais especializados. Questões básicas mais ainda polêmicas são abordadas como a utilização do uniforme e a não exigência dos mesmos para as aulas de dança nas escolas em que desenvolveu projetos de dança. As vantagens e desvantagens do uso do uniforme esbarrando com o preconceito dos patrocinadores, alegando que os uniformes deveriam seguir o padrão estabelecido por eles, a roupa de ballet clássico, dizendo que “as outras danças não são danças de verdade” como fala a autora, comprometendo o ensino de outras danças, assim com a dança moderna, ensinada também no projeto em que a autora participava. Um sub-tópico também abordado é a educação estética dos pais e filhos. A importância da formação de platéia através dos pais dos alunos.
No capítulo três aborda questões muito pertinentes sobre a formação do artista e do professor de arte no Brasil. O tempo e a formação para um artista diferenciado para o tempo de formação para o professor e este para o mestre. Fala que a universidade não pode ser vista como o único espaço de arte e que não basta a presença da arte ao lado da ciência para que se possa garantir a formação do cidadão. A formação em arte acontece num tempo diferenciado do tempo de uma universidade.
Ainda na primeira parte no capítulo quatro a autora fala sobre a preparação do corpo do artista cênico e as técnicas somáticas que são escolhidas pelo artista cênico para a sua melhor desempenho e base teórica como filosofia de pensar o corpo. Segue no capítulo cinco falando da importância de Congressos, Encontros e Festivais na construção do conhecimento em dança e do resultado positivo da 9a DACI (Dance and Child International) realizada no Brasil em 2003. Dos avanços na retirada do projeto de lei 2.939/00 que visava incluir na lei 9.696/98 os graduados em dança e estes estariam submetidos ao CONFEF (Conselho Federal de Educação Física).
Na segunda parte, ”A dança e a Educação do Cidadão Sensível”, questões sobre quais profissionais estão ministrando aulas de dança nas escolas são levantadas. Profissionais com formação em outras disciplinas e a dança como disciplina na educação física, a importância da especificidade e do aprofundamento dos conteúdos próprios para o ensino da dança nas escolas e a qualificação de mais professores e o rumo para os já qualificados e o reconhecimento desses profissionais.
Em todo o livro fica clara a preocupação da autora na urgência da mudança do pensamento arcaico sobre o ensino das artes nas escolas para crianças e adolescentes. Um pensamento de ensino das artes como um simples adorno na educação. A arte ainda trabalhada com atividade lúdica, sem um direcionamento didático- pedagógico. Se o lúdico fosse trabalhado e desenvolvido para o sentimento da arte, a criança teria um amplo crescimento. Read (2001) fala que a partir do sentimento, o lúdico pode ser desenvolvido, por meio da personificação e da objetivação, em Drama, a partir do aspecto da sensação, o lúdico pode ser desenvolvido por meio da auto-expressão, em forma visual ou plástica. Do aspecto da intuição, o lúdico pode ser desenvolvido, por meio das atividades construtivas, em Dança e Música. Do aspecto do pensamento, o lúdico pode ser desenvolvido, por meio das atividades construtivas, em Artesanato. Esses quatros aspectos do desenvolvimento, o drama, a forma, a dança (incluindo a música) e o artesanato eles formam a unidade de personalidade de desenvolvimento harmônico. Dessa forma a criança teria contato com esses aspectos para mais tarde ela fazer sua escolha vocacional. A arte tem o poder da sensibilização, da compreensão do mundo de forma mais flexível, mais poética, mais significativa de acordo com Strazzacappa.
A dança ainda é muitas vezes desenvolvida nas escolas somente para comemorar eventos do calendário escolar, a dança ensinada sistematicamente e com o propósito da percepção corporal e expressão artística não chega a ser desenvolvida plenamente, muitas vezes sendo orientada por professores com formação em outras áreas.
De acordo com Marques (1999) é preciso que a sociedade tenha mais compreensão da importância da dança na educação formal. Strazzacappa e Marques nos situam que muitos avanços já foram realizados no ensino da dança, mas ainda falta muito para que o profissional qualificado em dança, aquele que estudou na universidade, que é artista, que precisa ser reconhecido pelo seu fazer e pensar artístico seja valorizado e integrado nas escolas, podendo viver dignamente da arte e da docência.
As concepções teóricas apresentam-se correlacionadas às concepções artísticas que, por sua vez, fazem parte do conjunto artístico-crítico-argumentativo da autora. Tendo como base a LDB (Parâmetros Curriculares Nacionais), a relação mestre discípulo na formação do artista ( Dominique Dupuy, Ana angélica Albano e Larry Tremblay), as técnicas de educação somáticas para a formação do artista cênico ( Patrice Pavis, Strazzacappa Hernándes, Eugenio Barba, Jean-Marie Pradier, Marcel Mauss, Laurence Louppe, Gerald Thomas), as técnicas de educação somáticas ( F. Mathias Alexander, Gerda Alexander, Bartenief, Mabel Todd, lulu Sweigard, Irene Dowd, Klauss Vianna, José Antonio lima) o Body-Mind Centering de Baindbrigde-Cohen. O ensino de dança nas escolas (Rudolf Laban, Isabel Marques, Carla Freitas Morandi, Marta Thiago Scarpato, Lisete Arnizant Vargas), a dança no ensino de arte (Michel Foucault, Maribel Portinari).
Esta obra conduz o leitor para a reflexão do ensino da dança, sobre o pensar, falar e fazer dança. É destinada para professores, artistas, estudantes e pesquisadores e outros que muito se interessam pela educação através da arte.
Márcia Maria Strazzacappa Hernández - Atriz, bailarina e pesquisadora, é graduada em pedagogia e em dança, mestre em educação(Unicamp) e doutora em Artes-estudos teatrais e coreográficos (Universidade de Paris/França). É professora da faculdade de educação e professora convidada do Instituto de artes, ambos da Unicamp, ministrando cursos nas graduações de dança, Teatro e pedagogia e na Pós-Graduação em Educação.
Atualmente é coordenadora do Laborarte – grupo de pesquisa sobre educação, Corpo e arte. É membro da diretoria do Fórum Nacional de dança. Pesquisa sobre educação estética, técnicas corporais (dança e teatro) e educação somática. Já participou de várias coletâneas, entre elas, O ensino das artes ( Papirus, 3a Ed., 2004), com os capítulos “ Dançando na chuva... e no chão de cimento” e “Teatro na educação: Reinventando mundos”, este último em co-autoria com Tiche Vianna
Cléia Alves
Professora de dança, bailarina, coreógrafa, produtora cultural. Atualmente é aluna da disciplina Questões de Artes Cênicas enquanto fenômenos da estética, impactos e receptividade do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia.
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